11 de março de 2015

Homenageado com mostra, Paulo José faz duras críticas ao cinema brasileiro

Ator, que ganha retrospectiva no Rio, compara a produção nacional a uma 'horta devastada'

10/03/2015 - RIO - Há 15 anos, ao subir ao palco do Palácio dos Festivais, em Gramado, para receber o prêmio pelo conjunto da obra, Paulo José disse a frase que se tornaria uma de suas mais célebres: “Nós fazemos o melhor cinema brasileiro do mundo”. Hoje, se pudesse, faria um discurso diferente.

— Penso, com pessimismo, que o cinema brasileiro continua a fazer o pior cinema brasileiro do mundo — escreve num e-mail o gaúcho de Lavras do Sul, com a ajuda do enteado Tiago Rios (Paulo sofre do Mal de Parkinson desde 1992), um dos curadores da mostra “Paulo José: Meio século de cinema”, em cartaz na Caixa Cultural a partir de terça.

Aos 77 anos, o ator compara a atual produção nacional a uma “horta devastada, muita terra e dois pés de mandioca”. Ao lembrar de seu extenso currículo, que abrange mais de 90 trabalhos entre a televisão e o cinema, fala com carinho dos personagens batizados pela literatura (“Esta, sim, segue fazendo os melhores personagens brasileiros”), como o defunto Quincas Berro D’água (do longa homônimo de 2010), o patriota Policarpo Quaresma (1998) e o herói sem caráter Macunaíma (1969).

— Estou há 50 anos nesse ofício. Fiz filmes muito melhores do que os de agora. Parece que os diretores descobriram o macete de transformar um roteiro incipiente num filme medíocre, uma história banal conduzida por personagens igualmente banais. Há uma mistura ótima para o sucesso: atores e atrizes da TV fazendo caretas nas cenas de riso, vertendo lágrimas nas de emoção — dispara. — A indigência aumenta quanto mais se quer captar uns trocados da Lei Rouanet. Não é um cinema honesto. Falo de um modo geral. Ainda há quem faça cinema por necessidade de expressão, mas são poucos.

A avaliação negativa talvez se torne particularmente frustrante vindo de alguém que sempre admitiu ter se sentido um ator pleno apenas no cinema. Quando morava em Bagé, muito antes de fazer seu primeiro filme, “O padre e a moça” (1966), de Joaquim Pedro de Andrade, Paulo já romantizava as imagens em movimento e a arquitetura das salas de projeção, a pipoca na porta, o tapete vermelho e os balaústres dourados, o gongo e o apagar das luzes — e algumas vezes o próprio filme. Fazia fichas técnicas de tudo a que assistia na adolescência, mas não lhe passava pela cabeça estar na frente das câmeras.
Atuava em grupos de teatro, muitas vezes de forma amadora. Nesses grupos, fazia de tudo: colava cartazes, cuidava dos guarda-roupas e até auxiliava na construção de casas de espetáculos. Além de ator, trabalhava como cenógrafo, produtor, assistente de direção e administrador. Não à toa, a velha casa em Porto Alegre que ajudou a transformar ganhou o nome de Teatro de Equipe. Mas o cinema, para ele, continuava intocável. Até receber o convite de Joaquim Pedro de Andrade:
‘Parece que os diretores descobriram o macete de transformar um roteiro incipiente num filme medíocre, uma história banal conduzida por personagens igualmente banais’

— Lá, o diretor de fotografia fotografava, o cenógrafo cenografava, o figurinista figurinava. Os atores nada tinham a fazer enquanto a equipe de luz iluminava o cenário. Podiam ficar ociosos nesse limbo que é o intervalo de filmagem. Foi aí que eu vi que só precisavam de mim como ator, e decidi transformar minha representação em vivência: eu seria o padre por fora e por dentro, em todas as horas do dia e da noite. Não era um zumbi, desligado do real, mas um ator que se desdobrava em dois e saboreava essa duplicidade sendo uma pessoa e um personagem. Aonde eu fosse, o personagem ia comigo. Muitas vezes me perguntam se não quero dirigir cinema. Respondo que sou apenas ator de cinema, este é o meu prazer secreto.

Desde então, o trabalho de Paulo José no cinema e na televisão se manteve incessante ao longo de cinco décadas, mesmo após o diagnóstico de Parkinson. O ritmo só diminuiu nos últimos anos. Seu último trabalho na tela grande foi em “O palhaço” (2011), de Selton Mello. No ano passado, fez uma participação na novela “Em família”, no papel de Benjamin, um homem que sofria da mesma doença. Paulo não detalha como se sente em relação à saúde, mas se mantém ativo: atualmente reedita programas e seriados que fez na TV Globo, quando era diretor. Também se prepara para lançar o livro “Cadernos das oficinas de direção”, sobre os workshops que ministrou na emissora para diretores e assistentes de direção.

COTA DE TELA É “UMA BOA”
E não deixa de acompanhar as políticas voltadas para o audiovisual. Acha a cota de tela (lei que obriga os cinemas a exibir uma quantidade mínima de filmes nacionais), por exemplo, “uma boa”. Acredita que o ministro da Cultura, Juca Ferreira, tem o senso de humor a seu favor, e exemplifica com a ocasião em que ele, referindo-se à “ex-muitas coisas” (nas palavras de Paulo) Marta Suplicy, disse ter levado uma “bolsada de Louis Vuitton”.

— Durante sua passagem pelo MinC, Juca foi alvo de críticas que o acusavam de intransigente e de não ouvir as reclamações da classe cinematográfica. Aqui entre nós, a classe reclama muito. Julga ameaçada a Lei Rouanet e todas as suas conquistas quando o ministro quer reduzir o limite de dedução do imposto (de 100% para 80%), mas quase não se discute que os outros 20% são disponibilizados para que o governo também possa financiar projetos. Somos muito incompreensivos com o patrocínio de empresas privadas e intransigentes com a presença do governo. Fonte: Globo G1.

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