13 de abril de 2018

Dussek veste a alma de Silvia Machete

13/04 - O riso já não era riso, era desespero. Mas era assim que alguém precisava rir naquela segunda parte dos anos 1970, quando a poesia ainda chegava dura e a música em tons menores para bater tambor contra a liberdade asfixiada desde o AI-5 de 1968. Quando o mundo era sério demais, o riso de Eduardo Dussek virava escárnio e saía atropelando, juntando Noel Rosa com guitarra, cabaré com samba-canção, carnaval com bolero.

O problema é que, depois dos efeitos da aspirina nos anos 80, administrada pela frente carioca e colorida do rock nacional, com Blitz, Leo Jaime, João Penca e Kid Abelha, o mundo voltaria ainda mais sisudo até atingir níveis patológicos de intolerância. Dussek, ironicamente, se dava bem, provando que o que escrevia era seriíssimo, o mundo é que se tornava uma piada. "Vejo hoje mesmo as notícias de Donald Trump contra Putin. Isso é uma piada de Miguel Falabella", diz à reportagem, por telefone.

Dussek é um nome pronto para a esteira da redenção histórica que merece, a mesma pela qual passaram Guilherme Arantes, Belchior, Odair José, Antonio Marcos. Sua obra, mesmo quando colocada em lugar de ponta, não figura como cool. Ele mesmo faz o diagnóstico. "Não segui a cartilha para isso acontecer. Eu era eclético demais para as regras. Minha música era americana, francesa, carioca."

Silvia Machete, então, entra na história. Há dois anos, ela fez os primeiros shows que se tornariam um DVD, só com músicas de Dussek. Dussek Veste Machete, chegou cheio do espírito livre dos dois. A direção cênica ficou com Cesar Augusto, o figurino com Guto Carvalho e a supervisão, com o próprio autor. A veia de uma artista disposta a se tornar outras foi um veículo justo para um homem especializado em criar canção como se fizesse filme. A Índia e o Traficante, Chocante, a mais romântica Aventura e a profunda Cabelos Negros já garantiriam a noite.

O show chega a São Paulo só agora, em um ambiente que ajuda a personificar o próprio Dussek, a cabarenística Casa de Francisca. Será nesta sexta, 13, com acompanhamento do pianista Danilo Andrade. O repertório tem mais Tango da Bronquite (de Angela Ro Ro), 2 Cachorros (de Machete), Quizás, Quizás, Quizás (Osvaldo Farres) e Great Balls of Fire (de Otis Blackwell e Jack Hammer).

Machete, para Dussek, tem apresentado suas canções para uma geração que pouco o conhecia. E que dizem essas pessoas? "Eles ficam surpresas. Quando conhecem as letras, e no show elas sobressaem com força, todo mundo entende tudo."

Diagnosticado há dez anos com doença de Parkinson, Dussek fala abertamente sobre o problema. "Encarei como encaro a vida. Eu não sou de levar o sofrimento humano a sério, existe algo superior a isso. Eu não acredito em baixo-astral."

Ele conta que segue com sua agenda de shows de até duas horas de duração, já que no palco os sintomas desaparecem. "No início, meus dedos foram paralisados, e isso teve de ser corrigido. Já toco piano normalmente. Semana passada, cantei com Maria Alcina no Sesc 24 de Maio. Agora estou em Goiânia para falar para uma plateia de médicos e pacientes com Parkinson. Só não posso mais fazer algo estressante."

Ele sentiu os primeiros sintomas com o enrijecimento das mãos. "Era como se eu estivesse recebendo um santo." Percebeu então que esses momentos vinham depois de situações de estresse. Uma delas é segredo. "Eu tive um problema com uma emissora de televisão, uma discussão que não conto de jeito nenhum. Foi depois desse episódio que comecei a sentir os últimos sintomas antes de procurar um médico."

Viver com Parkinson o fez perceber como o portador é discriminado, como pessoas desinformadas decretam penas de morte instantâneas e como a ciência no Brasil, com relação a essa doença, carece de atualização. "Fiz com a doença como faço com a música. Usei métodos convencionais e outros muitos alternativos."

Um tropicalista de nascimento, sambista de formação, roqueiro do acaso, provocador nas horas vagas, Eduardo Dussek segue sendo mais útil que nunca. Logo depois de ouvi-lo dizer da longevidade de músicas como Nostradamus, de 1981, quando o narrador acorda em pleno apocalipse, o repórter liga para entrevistar Silvia Machete. Ela estava em São Paulo, no centro, com o namorado. De repente, toma um susto e pede para continuar a entrevista mais tarde. "Ai, meu Deus. Acabamos de ser assaltados. Um rapaz na bicicleta roubou meu namorado, e ele saiu correndo atrás do ladrão."

DUSSEK VESTE MACHETE
Casa de Francisca. Rua Quintino Bocaiuva, 22.
Tel: 3052-0547. 6ª (13), às 21h. Ingresso: R$ 44
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Fonte: JB.

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