Diagnosticado com
Parkinson há 17 anos, apenas em 2015 ele revelou publicamente a
doença
03/06/24 - RIO DE
JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) - O cantor, ator, compositor e pianista
Eduardo Dussek, 70, ainda está impressionado com a repercussão de
sua participação no Altas Horas (Globo) do apresentador Serginho
Groisman no sábado passado (25). Os internautas rasgaram elogios à
vitalidade do artista, que com o auxílio de um andador, cantou,
conversou e fez piada com sua condição ("é uma doença muito
chique, tem até uma avenida, a Parkinson Avenue"), arrancando
risos e aplausos da plateia majoritariamente acima dos 40.
Diagnosticado com
Parkinson há 17 anos, apenas em 2015 ele revelou publicamente a
doença. "Descobri em 2007 e, em 2010, veio a crise mesmo; e de
lá pra cá cortei um dobrado", diz ao site F5. A entrevista foi
realizada por telefone em duas etapas por recomendação médica,
conforme ele explica. "Entrevista presencial é mais complicado,
porque exige uma produção muito maior, é como transportar um bebê
ao Fórum, entendeu?", brinca.
Quem viu Dussek
brilhando na homenagem ao cantor Ney Matogrosso com um time de
artistas musicais no palco, não imagina a organização que a
apresentação exigiu. "Tive um preparo de duas semanas, tomo
doses grandes de remédios e, se eles forem usados demais, vou perder
a resistência."
"Você viu que no
programa não tive tremor nenhum?", indaga ao repórter. "Estava
cantando, alegre, feliz... Não que fique deprimido, não é isso
(risos). Fico cansado mesmo, muita canseira, se eu fizer isso na
frequência de uma pessoa normal vai dar chabu."
No palco do programa,
Dussek roubou a cena, com uma performance vibrante que exigiu um
esforço físico e mental, mas que valeu a pena: "Foi um
programa muito alegre, após a gravação ficamos todos ali no palco,
virou uma festa, só não tinha bebida, uma confraternização, todos
em um estado mágico", relembra.
A atração é gravada
em São Paulo, então Dussek viajou um dia antes, descansou bastante
no hotel e no dia seguinte acordou próximo do horário da gravação
e seguiu para a emissora. "Teve toda uma exigência que não são
100 toalhas brancas no camarim, nada disso, depois de remédios,
preparação no estúdio, chega ali, explode o meu 'eu' mais
relaxado, porque eu já tô preparado, os remédios em cima
controlando todos os movimentos me dá uma tranquilidade, pra ter
aquele brilho que as pessoas querem ver", revela sobre o making
of.
Após o fim da atração,
ele voltou para o hotel, e retornou ao Rio na manhã seguinte,
descansando ao longo do dia. Mas o esforço deu resultado, o artista
revela que a repercussão foi muito positiva, e conta que se
emocionou ao rever as imagens em casa na companhia de alguns amigos.
DONO DE MÚLTIPLOS
TALENTOS
Nascido em Copacabana
(zona sul do Rio), filho de mãe húngara e pai tcheco, Dussek e seus
três irmãos, Vera, Marcelo e André, carregam também um sobrenome
famoso: Gabor. A semelhança com a atriz Zsa Zsa Gabor (1917-2016)
não é mera coincidência, mas um parentesco distante de origem
materna.
Dussek despontou no
teatro no início dos anos 1970, como pianista na peça "Desgraças
de uma Criança", com Marieta Severo e Marco Nanini. Mas a
música veio muito antes, quando começou a tocar piano ainda
criança, inspirado pelo seu pai.
Com o sucesso teatral,
ele começou a fazer shows em 1974, chamando atenção de
personalidades da música e entrando em estúdio três anos depois
para gravar seu primeiro compacto com as canções "Não Tem
Perigo" e "Apelo da Raça", produzido por Nelson
Motta. Sem o sucesso esperado, ele deu aulas de canto e de piano e
compôs músicas para diversos artistas, como Maria Alcina, Zizi
Possi, As Frenéticas e até para o amigo de longa data Ney
Matogrosso.
O almejado êxito
musical veio em 1980 quando participou do festival MPB-80 com a
música "Nostradamus". A repercussão positiva deu origem
ao primeiro LP "Olhar Brasileiro", e Dussek não parou
mais. Ele coleciona vários sucessos ao lado de seu parceiro musical
Luíz Carlos Góes, sempre mesclando crítica social com bom humor,
uma influência do Teatro Besteirol, em canções como "Doméstica
(Brega Chique)", "Rock da Cachorra" e "A Índia e
o Traficante", que seguem atuais. Entre 1981 e 2011, foram oito
álbuns lançados e diversos hits que figuraram em trilhas sonoras de
novelas como "Bebê a Bordo", "A Próxima Vítima"
e "As Filhas da Mãe".
Sérgio Abreu, um dos
integrantes do João Penca e seus Miquinhos Amestrados, grupo musical
popular nos anos 1980, relembrou o encontro do trio com Dussek em um
show no Morro da Urca, na zona sul do Rio. "Ele tinha mais
experiência e esbanjava talento, ele bancou de gravar um disco e
fazer shows conosco, aprendemos muito com ele."
XICA DA SILVA: ENTRE
TAPAS E BEIJOS COM AVANCINI
Sua versatilidade, fez
com que ele trocasse a música pela atuação em algumas ocasiões.
Como ator, fez cerca de 17 trabalhos em novelas, filmes e
minisséries. Em "Xica da Silva" (1996) deu vida ao
capitão-Mor Gonçalo. O convite veio em um momento oportuno, após
superar uma crise criativa que se arrastou por alguns anos devido ao
excesso de trabalho. Além do desafio de interpretar um vilão na
novela da extinta Rede Manchete, havia outro obstáculo: lidar com o
genioso diretor Walter Avancini (1935-2001), conhecido pelo seu
temperamento forte com o elenco.
Dussek relembra a
experiência: "Ele era uma bomba-atômica, a gente gravava na
faixa de Gaza, ele era muito inteligente, me ensinou muita coisa, mas
reclamava demais". Dussek conta que o diretor ofereceu o papel
de galã, mas ele recusou por exigir um desempenho muito maior. "Ele
disse: 'Você quer fazer outro personagem?'. Tem uma bicha louca e um
vilão'. Fiquei com o papel do vilão que adorei, ele não confiava
muito em mim como ator, tinha uma incerteza."
Em uma ocasião, o
diretor pôs Dussek com 100 figurantes com perucas e casacos de
veludo sob o sol escaldante de Maricá (no litoral fluminense), onde
eram gravadas as cenas externas. Dussek encenou uma coreografia de
jazz com os soldados, tirando Avancini do sério.
O artista se recorda da
situação. "Ele me chamou na sala dele e disse 'não aguento
mais você', falei também que não aguentava mais ele, e sugeri
adiantarmos as coisas, e ele declarou 'vou matar seu personagem, e
você vai gravar sete opções de morte pra deixar gravado'." A
novela foi um sucesso e o cachê ótimo, segundo ele.
COM PARKINSON E BOM
HUMOR
Resumidamente, a doença
de Parkinson está associada à perda de células cerebrais
(neurônios) produtoras de um neurotransmissor conhecido como
dopamina. Esse, por sua vez, é responsável pelo envio de mensagens
às partes do cérebro que fazem a coordenação dos movimentos.
Considerada uma doença
neurológica crônica e lentamente progressiva, ela evolui com a
idade. Dussek relembra os primeiros sintomas, que o fizeram procurar
um especialista. "Comecei a ter muitos pesadelos, estava
trabalhando demais, estresse, prazos, e minha mão de repente ficava
rígida, com dificuldade para escrever, então fiz uma série de
exames e veio o resultado."
As cinco décadas de
uma carreira intensa são apontadas pelo artista como uma das
possíveis causas da doença. "Só estou fazendo um compromisso
por dia por ordens médicas, porque 50 anos nesse corre-corre me
deixou nesse estado", diz aos risos. O diagnóstico fez com que
ele mudasse alguns hábitos do passado e desacelerasse o ritmo de
trabalho. "A alimentação mudou, larguei bebidas como whisky e
vodca, e adotei só vinhos, não abro mão do champanhe, adoro. E
evito me aborrecer, tudo passou a ser moderado", conta.
Ele também aderiu a
tratamentos alternativos como tai chi chuan, acupuntura e shiatsu.
Sobre a rotina diária, ele explica: "Tenho atividades normais,
mas em um plano mais exclusivo, sou uma pessoa especial agora, tem
hora que uso a cadeira de rodas, depois ando uns 30 minutos, então o
segredo é você estacionar a doença".
Dono de uma mente
aberta, ele não se considera religioso, aprecia o budismo, pratica
meditação e devoto de São Jorge. "O que as pessoas chamam de
Deus, eu chamo de lei do universo que está acima de tudo, e não
existe um mistério, existe a lei da causa e efeito, estou numa fase
que entendo as coisas, por isso não reclamo." Ele também teve
experiências com Santo Daime no passado, que avaliou como sendo
positiva naquela circunstância.
A entrevista é pausada
algumas vezes por conta de uma tosse insistente, que ele afirma ser
emocional, enquanto trava um curto diálogo com ela: "Tosse,
pelo amor de Deus, para aí, quero falar com o rapaz aqui, senta ali
tosse na cadeira, e me espera". O sorriso na voz só dá uma
trégua ao comentar sobre os custos com os medicamentos. "O
Parkinson demanda muito, inclusive dinheiro, gasto em torno de R$ 4
mil de remédio por mês, é uma loucura", lamenta.
A PINTURA COMO TERAPIA
Em busca de qualidade
de vida, ele trocou há seis anos, a caótica Copacabana pela
quietude de Piratininga, bairro nobre da Região Oceânica de
Niterói. O antigo apartamento, perto do Corte do Cantagalo, deu
lugar a uma casa com jardim perto do mar. "Aqui tem um local que
parece a Urca, ruas de casas, daqui vejo o Pão de Açúcar e até a
Pedra da Gávea, já morei em São Paulo, em Nova York, em vários
lugares, nesse momento aqui é ideal."
Nos últimos anos, uma
das atividades a que ele tem se dedicado assiduamente é a pintura,
repleta de cores quentes. Cada quadro tem uma inspiração em suas
canções ("tem uma leitura da música feita em pintura").
O hábito, que se
tornou uma paixão, surgiu durante a pandemia, quando ele passou a
focar nas telas e no estudo das técnicas. "Mestre Van Gogh que
me botou nessa", avisa aos risos. Ele já conta com 20 quadros
e, até o fim do ano, planeja fazer uma exposição no Rio e em São
Paulo, na qual pretende reverter um percentual das vendas para
pessoas com Parkinson. Para o ano que vem planeja uma autobiografia
que ele descreveu como uma ficção-real, mas com muitos fatos
biográficos.
Apesar dos obstáculos,
Dussek não perde o alto astral. Em um dos momentos mais hilários
durante sua participação no Altas Horas, fez uma analogia entre o
tremor das mãos e o autoprazer. "Perguntei quais são os
sintomas, o médico disse rigidez e tremor nas mãos, falei pelo
menos facilita a masturbação", disse, sendo ovacionado pelo
público. Indagado sobre vida amorosa, ele desconversa: "Estou
casado com os meus amigos, meus amores, meu trabalho".
Ainda sobre o programa
televisivo, ele menciona que a ideia do andador surgiu na hora. "Eles
sugeriram uma cadeira de rodas tradicional, mas eu disse que não
havia necessidade, eu nunca quis fazer publicidade sobre isso [a
doença]", conta.
Em seguida, ele
complementa: "Tenho Parkinson há anos e não falava para as
pessoas. Eu dançava, cantava, apresentava, mas chegou uma hora que a
doença acordou, e ela é degenerativa, então tenho que compreender
e fazer de acordo com isso, mas a animação não vou perder nunca".
Fonte: Noticiasaominuto.