11 de fevereiro de 2020

Isaías Tinoco revela que enfrenta doença de Parkinson

11/02/2020 - 'Meu orgulho é o respeito que tenho de Flamengo e Vasco', diz Isaías Tinoco, que enfrenta o Parkinson

Pode haver alguém que entenda mais de Flamengo do que eu. Pode haver alguém que entenda mais de Vasco do que eu. Mas não acredito que haja alguém que entenda mais dos dois clubes do que eu.

Comecei a fazer educação física em 1974, na UFRJ. Mamãe, dona Nadir, era costureira da família de um diretor de basquete do Flamengo. Eu comecei como estagiário de preparador físico do departamento infanto-juvenil do Flamengo. Em 1977, eu já estava me formando quando abriu um curso de administração esportiva na PUC, de um ano. Quando acabei o curso, o Márcio Braga chegou à presidência e assinou minha carteira. Meu último trabalho foi no Vasco, em 2018.

Eu já tinha um bom espaço no departamento infanto-juvenil, com atribuições do futebol dente de leite à patinação artística. Um dia, o Márcio Braga me perguntou o que eu sugeria para aquele departamento. Eu disse que o departamento poderia ser perfeitamente extinto, com o dente de leite absorvido pelo departamento de futebol, e as atividades recreativas seguindo para a parte social. “Mas aí você vai perder o emprego”, ele me disse. “Mas o senhor me pediu uma análise profunda”, disse. Ele gostou. Depois eu fui convidado pelo Isidoro Danon para coordenar os esportes olímpicos do Flamengo. Foi minha grande faculdade: pude conhecer o Flamengo de A a Z.

Fui o primeiro gerente de futebol do Brasil, graças ao Luiz Augusto Veloso (presidente do Fla nos anos 1993-94). Me chamar de “Deus do Vestiário”, como o Kléber Leite (ex-presidente seguinte) fala, é um pouco de exagero. Mas ao trabalhar com os meninos do futebol, percebi que se trata de uma categoria que vem de criação modesta com expectativa declarada de projeção. No esporte olímpico, vi o outro lado: atletas de outro nível social sem grandes expectativas da vida profissional de atleta. E eu tive que, no tranco, falar com eles todos: o cara do basquete reclamando que a tabela não flexionava, o cara da esgrima reclamando que o armeiro não tinha temperado bem a lâmina. Aprendi a olhar nos olhos dos atletas quando havia uma necessidade ou não. E o futebol é necessidade, é a chance de melhorar de vida.

O Mozer era assim. A gente falava , ele arregalava os olhos e parecia querer absorver cada vírgula. Ele dizia: “Essa é minha vida, professor”. Foi o primeiro cara que eu vi atuar com trava de alumínio, ainda no sub-20. Ele calçava aquela chuteira e saía batendo pé, para que o time adversário se intimidasse com ele. O futebol era a grande tábua de salvação deles. Na geração de ouro do Zico tudo era assim.

Prestava muita atenção no (supervisor de futebol profissional) Domingos Bosco, que Deus o tenha. Copiei dele o entendimento dos atletas. Ele me dizia: “Quando estiver tudo uma merda, acabe de esmerdalhar tudo, que depois assenta”. E é verdade. Futebol é a arte de administrar crise. Todo santo dia.É a chuteira, é a falta d’água, é a brincadeira mais ousada.

Quando o Flamengo lança a campanha “Craque, o Flamengo faz em casa”, deram a ideia de fazer a foto daqueles atletas formados lá. Posaram Júnior, Zico, Cantarelli, Figueiredo.... no dia da foto, o Toninho Baiano começa a zoar: “Tá tudo bem aí nessa foto, mas se eu não estiver jogando, não ganha”. Ciúme. O Domingos teve que intervir.

Em 1981, o Vasco me chama para ser supervisor da base. Aí encontro uma geração maravilhosa, com Romário, Geovani, que tinham sido campeões mundiais de juniores, e outros, como Mauricinho. A guerra de egos existia, mas no campo eles se resolviam.

A pior guerra foi entre Romário e Edmundo, em 2000. A torcida se divide, o grupo se divide, e tem a parte do time que não está nem aí e fica incendiando. Que fica fazendo o leva-e-traz. Aqueles atletas que estavam sem jogar, os encostados.

Mas você tem que ter sorte, e eu tive. Trabalhei com Ricardo Rocha no Vasco, com o Edinho no Flamengo de 1987. Esses jogadores criavam um ambiente maravilhoso. O Ricardo, pela graça, um sujeito sensacional. O Edinho, pela experiência na Itália, o exemplo de profissionalismo. Ajudava muito.

No caso do goleiro Bruno, em 2010, foi desesperador. Não acreditei, e até hoje eu tenho dúvida. Eu falava: “Como é que dormia, viajava, trabalhava e não percebia nada?” Às vezes você está tão perto e tão longe.

Já o Adriano me ajudou muito a ter um entendimento diferente da vida. Ele só fazia mal a ele mesmo, não fazia mal a ninguém. Ele tem um sentido de família muito forte, cuida da avó, da mãe, do irmão... mas quando vira a bandeira 2, depois das nove da noite, ele quebra tudo. Mas 6h da manhã ele está lá, cândido de novo. Mas ele me ajudou muito naquele título do Brasileiro de 2009. Sujeito-homem.

É verdade, sou gago. E adorei o filme “O discurso do rei”. Os meninos encarnavam em mim, mas isso tornava minha liderança mais humana. Porque viam que eu, negro e gago, tinha chegado lá. E sabiam que poderiam ir longe também.

Aos 65 anos, comecei a ter um Parkinson que não gera tremores. Mas meu corpo produz menos dopamina, e isso gera limitações de movimentos. Preciso estar sempre em movimento. Se ficar duas horas parado num carro, só saio rebocado. É a vida, é a idade. Mas quando olho para trás, meu maior orgulho é o respeito que tenho tanto no Flamengo quanto no Vasco. Nunca me viram como inimigo. Isso me arrepia.

*Em depoimento a Márvio dos Anjos
Fonte: Supervasco.

4 de fevereiro de 2020

Sergio Víctor Palma luta contra Parkinson: "Eu tento manter um relacionamento humano comigo mesmo"

02/03/2020 - Aos 64 anos, o lembrado ex-campeão mundial de super-galos desafia o distúrbio do movimento que o afeta mais de uma década atrás. Antes de superar um acidente de carro e uma doença que colocava sua vida em risco.

Longe de suas gloriosas horas de campeão mundial e, no entanto, com a mesma determinação que expressou acima dos quadriláteros, Sergio Víctor Palma assume a deterioração causada pela doença de Parkinson e não pede trégua: “Eu tento manter um relacionamento humano comigo mesmo e agradeço a Deus todos os dias da minha vida.”

Ali, naquele anexo religioso fundador que o acompanha desde a infância na pequena La Tigra, província de Chaco, onde se mantém a temperança de quem era um dos pugilistas argentinos mais eletrizantes, protagonista dos famosos velados no Luna Park no final dos anos 70 e início dos anos 80.

“Deus existe e sempre esteve comigo e até hoje com todas as adversidades que enfrento. Amo a Deus! Agradeço a vida que você me deu há 64 anos, meus afetos, meus filhos e gostaria de ser digno do tempo que me resta e da sabedoria de ser uma pessoa melhor.”

É assim que Palma escreve, apesar das dificuldades envolvidas no endurecimento gradual do corpo em geral e dos dedos das mãos em particular.

Sim, Palma escreve no WhatsApp. E, dessa maneira, uma entrevista ocorre em diferentes seções. A primeira interrupção ocorreu devido a um colapso emocional (a reação a uma pergunta sobre os 40 anos que o dia 9 de agosto será cumprido desde a conquista do campeonato mundial do supergalo), a segunda devido a uma queda que causou um forte ferimento na cabeça e ele exigiu que sua esposa o levasse ao pronto-socorro de um hospital e aos outros por momentos repentinos de profundo cansaço.

"Às vezes ele dorme horas e horas sem parar, e sua lucidez tem dias e dias", diz Orieta, a fiel companheira de Palma no apartamento de dois quartos que alugaram no centro de Miramar e de onde partem - com o outrora guerreiro dos ringues em uma cadeira de rodas - em direção aos controles médicos habituais ou simplesmente para apreciar o pôr do sol do verão.

“Este é um lugar pequeno no mundo onde atualmente temos demandas que podemos atender. Podemos estar muito sozinhos e às vezes é muito difícil, mas não reclamo, não reclamamos”, afirma Palma, e de pronto detalha com grande precisão a extensão de sua doença.

“O Parkinson não mata ninguém, mas dificulta a vida. Minha saúde está deteriorada por um processo neurodegenerativo que ocorre nas células negras de que o corpo humano precisa. É por isso que tomo dopamina sintética para compensar essa falta, mas tenho limitações de estabilidade, fala e deglutição.”

Útil e completa, a Orieta corrige os possíveis erros tipográficos de um bate-papo que Palma confessa a Télam: "Faço isso de coração e como exceção, porque praticamente não passo mais tempo mantendo relações com o jornalismo".

Além de ser sua esposa e sua enfermeira dedicada, Orieta atua como secretária e editora do livro que Palma faz há muito tempo, uma espécie de tese de boxe que inclui táticas, estratégia, defesa, ataque, contragolpe, treinamento, etc...


Até onde sabemos, um ex-boxeador argentino nunca elaborou uma totalização conceitual: “Não conto anedotas que não lembro nem me importo. Falo de técnica, do próprio esporte.”

Nesse contexto, o de “um corpo com freio” (sic), com sérias dificuldades até para comer os alimentos sólidos que sua esposa pacientemente escolhe, morde e liquefaz, Palma está ciente de sua luta contra o tempo. “Essa doença, que não foi produzida pelo boxe, mas, segundo os médicos, minha condição de boxeador se torna mais complicada, antecipa que o dano cognitivo está se aproximando. Quando eles ocorrem, eu digo. Sim posso…".

Palma foi campeão mundial do supergalo entre agosto de 1980 e junho de 1982, venceu 52 de suas 62 lutas e, ao pendurar as luvas, alternou as aulas de boxe com o papel de analista especializado, por exemplo, no jornal esportivo Olé.

Até 2004, ele sofreu um acidente na ponte Pueyrredón, que resultou em um derrame. Na época, um tumor maligno de um rim foi removido e, anos depois, ele foi diagnosticado com a doença de Parkinson.

"Não posso trabalhar, não trabalho e isso me desorienta", explica Palma, cuja perda de memória e concentração não me impede de assistir a filmes (nos últimos dias ele curtiu a saga de "Transformers") ou cultivou seu gosto por leituras que em sua mesa de luz testemunhar duas cópias de "Contos de amor, loucura e morte", de Horacio Quiroga; “O mundo viveu errado”, de Roberto Fontanarrosa e “Times hard”, de Mario Vargas Llosa.

Ele perdeu muito peso e tanto que, nesta semana, a forma que sua esposa está carregando é responsável por 53 quilos (um a menos que a noite de sua estréia no profissionalismo, janeiro de 1976; e três a menos que em sua despedida dos ringues, Agosto de 1990).

Palma deduz que o infortúnio de ser afetado por Parkinson é outro aprendizado que Deus lhe oferece e, em retrospecto, ele descobre que não foi um bom pai: “Sempre fiquei muito preocupado em cuidar do personagem que construí e que tinha sido muito útil. Nunca me esforcei para cuidar da minha família”, ele descreveu.

"Na verdade, sou um solitário", reflete o bravo lutador do Chaco que se tornou um homem doente, alheio a rancores e tristezas explícitas: "O que eu não sabia é que a solidão e a velhice são incompatíveis", ele fechou. Original em espanhol argentino, tradução Google, revisão Hugo. Fonte: Telam.